Estudos em macroalgas carragenófitas (Gigartinales, Rhodophyceae) da costa portuguesa - aspectos ecológicos, bioquímicos e citológicos

Abstract: 

Oito carragenófitas, da costa portuguesa, representando sete géneros e quatro famílias das Gigartinales, foram estudadas na baía de Buarcos durante cerca de um ano (estudo da variações sazonais) e em quinze estações costeiras (estudo das variações geográficas), localizadas entre o Baleal (Peniche), na zona Centro, e Moledo, na zona Norte. A determinação da variação sazonal e geográfica do estado reprodutor, comprimento, peso seco e conteúdo em carragenana, foi feita com base no método de amostragem aleatória. Em geral, o comprimento e a biomassa das carragenófitas estudadas apresentam variações sazonais, com um incremento no início da Primavera (Abril), um aumento acentuado no início do Verão (Junho/Julho) e valores reduzidos no final do Verão, Outono e Inverno. O baixo conteúdo em colóide registado no Inverno (Dezembro) e, em oposição, o elevado teor em carragenana verificado nas amostras colhidas no Verão (Julho), podem estar relacionados, respectivamente, com os elevados e reduzidos níveis de nutrientes (Azoto e Fósforo) presentes na água. O maior conteúdo médio em carragenana foi registado numa amostra de Chondracanthus acicularis (40.1 %), seguido dos valores registados nas amostras de Gigartina pistillata (38.7 %) e Chondracanthus teedei var. lusitanicus (34.9 %). O método de amostragem aleatória (com quadrados) foi usado na determinação da biomassa e o método de “amostragem em contínuo sobre um transepto” no cálculo da percentagem de cobertura de cada carragenófita, em dois períodos: Outono/Inverno e Primavera/Verão. As carragenófitas com maior cobertura e biomassa foram as seguintes: Chondrus crispus (3.75 % - 570 g m -2); C. acicularis (3.45 % - 99 g m-2); C. teedei var. lusitanicus (2.51 % - 208 g m-2); Mastocarpus stellatus (2.02 % - 520 g m-2).

Para a caracterização dos diferentes tipos de carragenana foram usadas as técnicas espectroscópicas: FTIR-ATR, FT-Raman, 1H e 13C-RMN. Com base nestas técnicas, nomeadamente em FTIR-ATR e FT-Raman, foram desenvolvidas metodologias inovadoras que nos permitiram a correcta identificação das diversas fracções de carragenana, em particular das variantes da família lambda (carragenana lambda, ksi e theta) e dos precursores biológicos (mu e nu) das carragenanas gelificantes (kappa e iota, respectivamente). Visto que as amostras foram sujeitas a uma manipulação mínima (as algas são simplesmente secas e moídas), a composição determinada representa, o mais fielmente possível, a composição natural dos  ficocolóides. Nas análises espectroscópicas foram usados, como referência, os espectros de amostras comerciais de carragenana e de carragenófitas utilizadas com fins industriais. A espectroscopia de ressonância magnética nuclear do protão e do carbono 13 foi usada na caracterização e quantificação dos diferentes componentes das carragenanas extraídas (extracção aquosa e alcalina). De acordo com as recomendações da IUPAC foi apresentado, relativamente ao DSS como standard interno, um novo conjunto de deslocamentos químicos de 1H e 13C-RMN dos principais tipos de carragenana. Além disso, foram reportados os deslocamentos químicos relativos ao ácido pirúvico e ao amido florídeo, compostos que surgem normalmente associados às carragenanas.

Relativamente aos diferentes tipos de carragenana produzidos pelas espécies estudadas, devem ser realçados os seguintes resultados: os gametófitos femininos e talos não frutificados do C. crispus, M. stellatus. C. teedei var. lusitanicus, G. pistillata e C. acicularis produzem carragenanas híbridas com diferentes rácios kappa/iota (copolímeros de carragenana kappa/iota); O G. crenulatus e o A. devoniensis produzem uma grande diversidade de híbridos, com diferentes rácios kappa/iota, dependentes de variações sazonais; as carragenanas da família lambda estão presentes nos tetrasporófitos de C. crispus (carragenana lambda), M. stellatus (carragenana lambda), C. teedei var. lusitanicus (carragenana híbrida ksi/theta), C. acicularis (carragenana híbrida ksi/theta) e G. pistillata (carragenana híbrida ksi/lambda); as diferentes gerações do Calliblepharis jubata produzem carragenana do tipo iota.

Com base nos nossos resultados, baseados em FTIR-ATR, FT-Raman e 1HRMN, muito mais sensíveis do que a 13C-RMN, podemos concluir que a carragenana kappa e iota têm precursores biológicos distintos, respectivamente mu e nu.

O método de extracção laboratorial alcalino, usado neste trabalho, possibilita a extracção de carragenanas com baixo índice de degradação e elevado peso molecular, vindo confirmar a ideia de que a extracção de ficocolóides, mesmo em condições “suaves”, possibilita a ciclização das suas unidades constituintes.

A combinação de uma grande cobertura, de uma elevada biomassa disponível e um elevado teor em carragenana das espécies pertencentes ao género Chondracanthus e de Gigartina pistillata, permite-nos considerar que estas carragenófitas constituem uma potencial fonte industrial de copolímeros de carragenana kappa/iota, em adição às carragenófitas tradicionalmente colhidas em Portugal (C. crispus e M. stellatus). No entanto, atendendo a que na actividade de apanha de algas marinhas, em populações selvagens existentes no patamar médiolitoral, existe o risco de sobre-colheita e subsequente perda económica, para além da redução ou até destruição da biodiversidade algal, é necessário desenvolver estudos com vista à inclusão destas carragenófitas em sistemas integrados de aquacultura.

Em diversas estações costeiras encontrámos talos heterospóricos de G. pistillata (contendo, simultaneamente, soros de tetrasporocistos e cistocarpos), os quais foram objecto de estudos morfológicos, citológicos e bioquímicos. Estes estudos foram alargados a outras carragenófitas seleccionadas, o que nos permitiu analisar alguns aspectos da carposporogénese, tetrasporogénese (C. teedei var. lusitanicus) e distribuição dos polissacarídeos (celulose e carragenana) nos talos e paredes celulares (G. crenulatus, A. devoniensis e G. pistillata)

Author(s): 
Leonel Carlos dos Reis Tomás Pereira
Article Source: 
Departamento de Botânica Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra
Category: 
Ecological Services
Geography
Seaweed composition